quarta-feira, 30 de abril de 2008

CARTA DIRIGIDA AO CORREIO DA MANHÃ

Senhor Director do “Correio da Manhã”,

Congratulo-me pela publicação de um artigo inserto na edição de hoje (09.04.08) do CM, na 2ª. Pag. “Correio de hoje” , sob o título “Deixar para trás” da autoria de Rui
Marques, pessoa que aliás não conheço, quer do ponto de vista pessoal, profissional ou até como jornalista/articulista de opinião.
Mas isso não me impede de concordar em absoluto, subscrever e assinar por baixo, todo
o conteúdo do artigo em questão. Obviamente porque sou um ex-combatente e natural-
mente porque me revejo e sinto na pele todo o ostracismo, (para não lhe chamar outra
coisa), que aquelas linhas reflectem. Como calculará, não estarei sozinho neste meu “estrebuchar” de sentimentos e emoções que, de vez em quando me assaltam a memória e o espírito. Certamente milhares de Portugueses na casa dos sessenta, sessenta e poucos anos que, de uma ou outra forma, viveram estes anos, certamente diria eu, não ficaram ou não se sentiram indiferentes perante aquelas linhas.
Sem o intuito de acrescentar muito ao conteúdo do artigo em questão, apenas direi que, naquele tempo, anos 60, quem governava aqui ao lado na vizinha Espanha, era o “Generalíssimo Franco”e que portanto a opção de fugir ou “desertar” não era uma mera formalidade de assinalar com um Sim ou um Não num formulário qualquer, mas sim
uma opção de grande risco, quer para o próprio (prisão imediata, despromoções no caso
de ser graduado, e partida imediata para os piores teatros da guerra) quer para a família (interrogatórios, violação de correspondência e nalguns casos, até sevícias).
Se houve alguns casos, e até houve porque eu conheci alguns, de êxito nalgumas fugas,
isso deveu-se principalmente à influência, vamos dizer “proteccionista” que algumas
famílias poderosas e “situacionistas” do regime anterior, e também há que dizê-lo, algumas outras situações de “protecção e controlo de rotas” por parte da Oposição organizada e clandestina da altura. A verdade é que para qualquer destas duas situações não havia, por mais estranho que pareça, PIDE-DGS e Guardia Civil à vista, mas para os outros casos comuns, de passador contratado, com dinheiro vivo à vista,(às vezes não tão pouco como isso) a percentagem de êxito não ultrapassaria os 5/10%. Enfim alguns terão conseguido, e ainda bem, regressaram quase todos após a queda do regime, foram ressarcidos, colocados em pedestais acima da média, numa palavra, quase todos estão de bem com e na vida.
Os que, querendo ou não querendo, tiveram que fazer e sofrer a guerra colonial, deixar algum sangue suor e lágrimas, sentir o frémito do horror e do medo, de perceber tambem a injustiça, o sofrimento e a loucura daquela guerra, e que também de alguma maneira, naquelas horas de ansiedade e revolta nos compassos de espera, entre ataques e emboscadas, entre minas e rockets, entre plasma e morfinas, entre evacuações que tar-dam e camaradas de armas que se têm que carregar às costas, porque, é ponto de honra de qualquer combatente, desta e de qualquer outra guerra, não se abandona um camarada ferido no terreno, e eu que já me emocionei e perdi, mas dizia eu, se calhar foi a partir daqui que começou a germinar a “sementinha” que os jovens de então porque foram os jovens (Oficiais, sargentos e praças, do Quadro ou Milicianos) que mais sofreram na pele, juntamente com as suas famílias, as agruras desta maldita Guerra. E também foram eles, e a partir deles que se desencadeou o processo de revolta que culminou com o 25 de Abril de 1974. E também foram eles e a partir deles que arriscaram a pele a fazê-lo, e a derrotar as velhas e debotadas ideias do regime de então. E portanto, por associação de ideias, foram eles que permitiram que estes novos senhores do poder (e isto é transversal à panóplia partidária portuguesa) a estes, e a outros no passado recente; emergissem agora no galarim da democracia, no tom inflamado dos seus discursos, nas promessas de justiça social, do pleno estado de direito, do fim das injustiças e das discriminações, enfim da verdadeira e justa Democracia.
Mas curiosamente, são estes e os outros que pelo poder já passaram, que esquecem,
que ostracizam, que deixam para tráz, para usar o feliz título do v/artigo, os que, se calhar, lutando por este País, mais fizeram que aqueles que, de certa forma, ajudaram a aparecer na ribalta política de agora.
Muito mais haveria para dizer, mas o texto já vai longo e peço desculpa por isso, mas
a emoção falou mais alto, e agora já não há nada a fazer.

Grato pela atenção, e com consideração

(carta ao CM a 09/04/2008)

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